Soundgarden: empresária da banda e 1ª esposa de Chris Cornell em entrevista para a revista Variety - Parte 1/2
by Brunelson
há 37 minutos
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Susan Silver, empresária de longa data do SOUNDGARDEN de 1984 à 2004 (e 1ª esposa de Chris Cornell), foi entrevistada pela revista Variety e falou sobre a entrada da banda no Rock and Roll Hall of Fame agora em novembro de 2025, sua experiência sendo também empresária do ALICE IN CHAINS durante toda a carreira do grupo e abrindo caminho para mulheres executivas no ramo da indústria da música e outros setores.
Confira na íntegra essa matéria e entrevista, que será publicada em 02 partes:
No outono de 1987, Ronald Reagan era presidente dos EUA, Bon Jovi era a banda revelação do ano e o corte de cabelo no estilo glam metal ainda era usado pelas bandas mainstream. Nesse contexto, surgiu um EP em vinil laranja chamado "Screaming Life", de uma banda chamada SOUNDGARDEN e vinda de uma cidade que sempre ficou à margem das principais rotas dos itinerários de turnês das grandes bandas, Seattle, por se localizar no extremo noroeste do Pacífico (perto do Canadá) e onde a chuva e tempo cinzento predominam.
E era uma banda que combinava os sons então díspares do punk rock e do hard rock de uma forma inédita. De muitas maneiras, o EP "Screaming Life" representou o nascimento do que a mídia iria chamar de grunge no começo dos anos 90 - apesar de que a cena de Seattle e região já borbulhava no underground desde o início dos anos 80.
E agora em novembro, a caminhada íntegra e sincera do SOUNDGARDEN levou o grupo a ser eleito no Rock and Roll Hall of Fame.
Depois de quase 40 anos de artigos em veículos de comunicação, livros, documentários, reedições de luxo dos seus álbuns de estúdio e tudo mais sobre a banda e a cena, há uma pessoa fundamental cuja história ainda não foi contada: Susan Silver, que gerenciou as bandas SOUNDGARDEN, ALICE IN CHAINS e SCREAMING TREES desde seu início até o auge de suas carreiras, e ajudou a guiar os 03 grupos de Seattle aos escalões superiores no mundo da música.
Embora a ascensão do SOUNDGARDEN ao maisntream não tenha sido tão repentina quanto a do NIRVANA ou a dos seus amigos de longa data do PEARL JAM, isso se deve em parte ao fato de que eles foram, de muitas maneiras, os pioneiros da cena musical grunge de Seattle. Foram os primeiros a causar impacto em New York com um show lotado, suado e enfumaçado no lendário clube CBGB em julho de 1988. Foram os primeiros a assinar com uma grande gravadora. Os primeiros a produzir um videoclipe com alto orçamento. Os primeiros a empreender uma grande turnê pelos EUA e os primeiros a serem indicados ao Grammy logo em seu 1º álbum de estúdio, "Ultramega OK" (1988).
Eles também podem ter sido os primeiros a conquistar um Disco de Ouro. Inacreditavelmente, o disco de estreia do PEARL JAM, "Ten", (lançado em agosto de 1991), o 2º álbum do NIRVANA, "Nevermind" (lançado em setembro de 1991) e o 3º álbum do SOUNDGARDEN, "Badmotorfinger" (lançado em outubro de 1991), foram lançados em uma sequência de ouro na história do rock, então, é praticamente impossível determinar qual álbum ultrapassou primeiro a marca de 500 mil cópias vendidas.
Não é exagero dizer que as carreiras do SOUNDGARDEN, ALICE IN CHAINS e SCREAMING TREES e muitas outras bandas da época, não teriam sido o que foram sem Susan Silver. Ela não foi apenas uma das empresárias musicais mais importantes daquela era, mas também uma das empresárias mais importantes da história da música. O jornalista que fez essa matéria e entrevistou Silver, a conhece pessoalmente desde o final de 1987, e mesmo naquela época, ela já demonstrava uma elegância, profissionalismo e cortesia que eram, no mínimo, raros para aquele setor bruto e indomável da cena rock independente.
Mais importante ainda, o próprio SOUNDGARDEN demonstrou um nível de disciplina, foco e ambição superior ao de muitos dos seus contemporâneos, e sua ascensão foi intencionalmente calculada e gradual. Lançaram suas primeiras gravações e seus 02 EPs pela então pequena gravadora independente de Seattle, a Sub Pop Records, depois seu disco de estreia, "Ultramega OK" (1988), foi pela lendária e poderosa gravadora independente, a SST Records, antes de lançarem sua estreia por uma grande gravadora pela A&M Records em 1989, o álbum "Louder Than Love" (2º disco).
Nos 05 anos seguintes, o SOUNDGARDEN, liderado pelo vocalista Chris Cornell - então casado com Susan Silver - tornou-se uma das maiores bandas do mundo. O ALICE IN CHAINS, que Silver também é empresária deles até hoje, surgiria apenas alguns anos depois e se tornou igualmente grande.
“Susan Silver entrou para gerenciar o SOUNDGARDEN em 1986 ou 1987, e durante os 10 anos seguintes, ela foi fundamental”, disse o guitarrista Kim Thayil, também em entrevista para a revista Variety. “Tínhamos um bom conhecimento da indústria musical, mas não tínhamos tempo, nem certamente as habilidades de gestão, para navegar nesse mundo. Provavelmente éramos um pouco mais desajeitados e diretos no assunto”, ele ri. “Você precisa de alguém com esse tipo de habilidade, quero dizer, esse tipo de tato. Susan levava tudo a sério e é uma mulher inteligente, foi quando percebemos isso e confiamos nela. Nós crescemos juntos e poderia ter sido muito problemático se tivéssemos um empresário mais experiente, porque sabíamos quem éramos e como queríamos nos apresentar à comunidade e à indústria musical, e um empresário mais experiente poderia ter tentado nos dizer o que fazer e como deveríamos fazer, e teríamos entrado em conflito e não teríamos trabalhado juntos”.
Orgulhosa nativa de Seattle, Silver teve participação em quase todos os principais marcos da cena musical da época. O filme Singles (1992), do renomado diretor Cameron Crowe e que definiu uma era com sua trilha sonora que se tornou um sucesso na época, as primeiras turnês do Lollapalooza Festival, as bandas que ela gerenciava (SOUNDGARDEN, SCREAMING TREES e ALICE IN CHAINS), fazendo turnês junto com o GUNS N' ROSES e VAN HALEN para que abrissem os seus shows, antes de se tornarem atrações principais em grandes arenas.
E quer saber? Ela até ajudou o NIRVANA em seus primórdios.
“Desde o 1º momento em que você a conhece, percebe que Susan, como poucos, entende de música e da chama criativa dos músicos”, disse o diretor Cameron Crowe para a revista Variety. “Sua paixão é profunda, assim como sua orientação sobre o que torna uma ótima música ou uma ótima banda verdadeiramente atemporal. Autenticidade: essa é Susan Silver”.
SOUNDGARDEN e ALICE IN CHAINS estiveram entre as maiores bandas de sua geração — ambas venderam mais de 30 milhões de álbuns em todo o mundo, segundo estimativas — mas como já foi amplamente divulgado, também tiveram um lado trágico. O vocalista original do ALICE IN CHAINS, Layne Staley, morreu de overdose de heroína em 2002, com apenas 34 anos de idade, e Chris Cornell faleceria em 2017. Mesmo assim, seus legados são formidáveis.
“Conhecer Susan e o SOUNDGARDEN quando eu era uma advogada muito jovem e ter a honra de representá-los, mudou minha vida para sempre”, disse Michele Anthony, vice-presidente executiva da Universal Music Group e ex-advogada do SOUNDGARDEN. “Susan era e ainda é a figura materna de uma das comunidades musicais mais prósperas e importantes da nossa geração. Ela me acolheu nessa comunidade pioneira de músicos, justamente quando ela estava prestes a mudar a música e a cultura para sempre. SOUNDGARDEN, junto com Susan Silver como sua empresária, ajudou a definir essa mudança. Esse também foi o início de uma amizade para a vida toda”.
Embora sempre tenha sido uma defensora ferrenha dos seus artistas, Silver nunca foi de chamar a atenção para si mesma, sendo que essa entrevista levou anos para ser concretizada. Parte disso se deve à sua modéstia, mas também ao seu difícil divórcio com Chris Cornell. Contudo, se alguma vez houve um momento para contar sua história, é agora, já que a banda que ela ajudou a guiar ao estrelato finalmente está tendo seu momento de glória sendo eleita ao Rock and Roll Hall of Fame, e ela tem a oportunidade de compartilhar a sabedoria adquirida com os desafios que superou e os triunfos que testemunhou como mulher em um meio ainda dominado pelos homens — e em uma época em que o sexismo estava no auge. Esta sabedoria está bem presente em sua mente, com ela ainda gerenciando o ALICE IN CHAINS, que faz turnês e lança álbuns regularmente, e Lily, sua filha com Chris Cornell, atualmente gerencia sua própria banda, o grupo de Seattle, BRUDI BROTHERS.
Essa entrevista foi editada e condensada a partir de uma conversa de 02 horas ocorrida no final de outubro de 2025.
Jornalista: Algum aspecto da sua trajetória profissional lhe preparou para essa carreira? O que seus pais faziam para ganhar a vida?
Susan Silver: Minha mãe trabalhou na fábrica dos aviões da Boeing durante o esforço da 2ª Guerra Mundial no início dos seus 20 anos de idade — isso foi muito antes de eu nascer — e depois trabalhou em algumas lojas conforme fomos crescendo. E meu pai foi o 4º piloto contratado pela Alaska Airlines, o que nos deu a oportunidade de conhecer diferentes partes do mundo e despertou em mim o gosto por viagens.
Mas eu também tinha 02 irmãos mais novos. Eles são apenas 02 e 04 anos mais novos do que eu, mas possuem personalidades muito diferentes, e um em particular parecia irritar nosso pai com bastante frequência. Então, eu realmente aprimorei minhas habilidades de mediação e também mediei as brigas entre meus pais.
Acredito que essas foram experiências fundamentais que me ajudaram a aprender a importância de conquistar a confiança de quem quer que estivesse buscando meu apoio ou conselho, a importância de ser uma boa ouvinte, de fornecer um feedback construtivo e de tentar apaziguar os ânimos em momentos de conflito. É claro, em uma dinâmica familiar isso precisava ser feito com compaixão. Por natureza, sou bastante empática e observadora, e isso me ajudou muito.
Jornalista: Você tinha alguma experiência musical?
Silver: Eu tocava piano e clarinete quando era criança, mas não, eu não herdei esse gene.
Jornalista: O que você inicialmente queria fazer como carreira?
Silver: Por volta dos meus 16 anos de idade, eu trabalhava em uma loja de artigos de arte e havia começado a fazer trabalho voluntário em organizações artísticas. Percebi que pessoas criativas geralmente não são muito organizadas. Então, tive o que achei ser uma ideia original: representar pintores. Mal sabia eu que isso já acontecia há milênios, mas com certeza foi o que me impulsionou a acreditar que eu poderia ser uma influência positiva na vida de pessoas criativas.
Conforme continuei a trabalhar como voluntária para organizações artísticas em Seattle, desde óperas a feiras de ficção científica e o festival de música Bumbershoot em seus primórdios, a minha vocação tornou-se cada vez mais clara: pessoas criativas poderiam se beneficiar de um mínimo de organização, estratégia e objetivos definidos.
Então, tudo se desenrolou de maneiras inesperadas. Tentei desesperadamente conseguir um emprego em uma organização sem fins lucrativos, e não importa quantas vezes eu me saísse bem na entrevista e pressionasse o diretor com ideias, eles continuavam a me impedir de conseguir o emprego, até que finalmente contrataram um membro da família deles — então, aprendi isso cedo também. Mas ao tentar me comunicar com os jovens na minha vida, essas decepções geralmente são um desvio para algo melhor.
E com certeza foi. Quando eu tinha pouco mais de 20 anos de idade, eis que surge uma banda que precisava de um empresário. Minha formação era no mundo das artes, mas uma banda ainda é um grupo de pessoas criativas. Era uma banda pop chamada FIRST THOUGHT, e logo isso se transformou em ajudar 02 bandas — o grupo pré-grunge, THE U-MEN, apareceu alguns meses depois. Então, eu estava trabalhando no estoque da loja de sapatos chamada John Fluevog, gerenciando algumas bandas e ajudando as pessoas a encontrarem sapatos adequados. Espero que o John nunca leia isso!
A banda FIRST THOUGHT gravou um disco e fez uma turnê pela costa oeste americana, mas o THE U-MEN já tinha um histórico em Seattle, tinha 01 disco lançado pela influente gravadora independente, Homestead Records, e um amigo meu que os gerenciava conseguiu um emprego em tempo integral e não pôde continuar. Então, eu assumi o negócio e agendei minhas primeiras turnês nacionais usando listas telefônicas da biblioteca.
Jornalista: Você tinha alguma experiência na área de negócios?
Silver: Eu tinha feito alguns cursos de administração na faculdade e ainda trabalhava como voluntária na área das artes, mas antes de começar a gerenciar essas bandas, ajudei algumas pessoas que abriram uma casa noturna para todas as idades chamada Metropolis, que acabou sendo um lugar fundamental na gênese da cena musical de Seattle. Era a gama mais diversa de artistas que se possa imaginar. Em 01 semana, você podia ter artistas e bandas como Jah Wobble (baixista do PIL), John Cale (baixista do VELVET UNDERGROUND), VIOLENT FEMMES e GBH, e os músicos locais que tocavam lá acabaram formando mais tarde bandas como o SOUNDGARDEN, MUDHONEY e PEARL JAM.
O clube tinha 02 sócios e, assim como meus irmãos, eles tinham personalidades muito diferentes, então, pude aprimorar ainda mais minhas habilidades de mediação e aprendi sobre agenciamento e promoção de eventos. Foi uma parte muito, muito importante do meu passado. Comecei a promover shows e, 01 ou 02 anos depois, em 1985, estava em uma festa de Halloween que mudaria minha vida, onde tocou uma pequena banda power trio chamada SOUNDGARDEN.
Mesmo estando vestida de drag queen naquela noite — eu estava com meu querido amigo, Hal Upchuck, que era um artista extraordinário, tinha uma banda adorada chamada THE F*GS e se vestia como ninguém, e ele me vestiu como ele naquela noite. Então, mesmo parecendo o vocalista do TWISTED SISTER com uma peruca assustadora e tudo mais, o baterista do SOUNDGARDEN veio falar comigo depois da apresentação deles e disse que me reconheceu da loja de roupas vintage onde eu trabalhava na época — aliás, onde eu não me vestia daquele jeito. Mal sabia eu que ele vinha repetidamente à loja para, entre aspas, fazer compras, mas depois ele me contou que estava tentando criar coragem para falar comigo. Foi assim que eu e Chris Cornell nos conhecemos. Na época, ele era o baterista e vocalista do SOUNDGARDEN. Só depois que ele assumiria somente os vocais e o grupo se tornaria um quarteto.
Naquela época, eu já promovia shows há algum tempo e também tinha começado a ajudar outra banda seminal de Seattle, chamada THE BLACKOUTS, então, eu disse a Chris que poderia levar a fita cassete da banda dele para meus amigos promotores em Portland e Vancouver, onde costumávamos fazer muita promoção cruzada de shows, e essa conversa depois daquela apresentação do SOUNDGARDEN nos levou à minha grande honra de gerenciar a banda, e nós 02 ficamos juntos por quase 20 anos.
"Nothing to Say" (1º EP, "Screaming Life", 1987)
"Kingdom of Come" (2º EP, "Fopp", 1988)
Jornalista: O que aconteceu em seguida?
Silver: Bruce Pavitt, que eu conhecia porque ele tinha sido DJ no clube Metropolis, estava começando um projeto chamado Sub Pop, que era originalmente um fanzine que também lançava fitas cassete com coletâneas das bandas locais. Ele tinha uma espécie de uma rede de contatos underground para a qual enviava as músicas. Nessa época, entre 1986 e 1987, Kim Thayil (guitarrista do SOUNDGARDEN) apresentou Bruce a Jonathan Poneman, que era músico, mas também tinha uma ótima visão para os negócios, e ele achava que a Sub Pop poderia se tornar uma gravadora independente de verdade. Este se tornou o próximo passo para o SOUNDGARDEN. Eu me lembro de estar sentada no chão do apartamento de Bruce, ajudando a encaixotar os discos. A Sub Pop começou a decolar, mas o SOUNDGARDEN tinha um foco diferente: eles queriam estar em outra gravadora independente, a SST Records.
"Beyond The Wheel" (1º disco, "Ultramega OK", 1988)
Jornalista: Quando você acha que a banda começou a se destacar além do Noroeste do Pacífico?
Silver: Deixa eu pensar um pouco… Eu sabia da conferência CMJ Music Marathon e disse: “Vocês deviam ir a esse evento”, mas nem todo mundo quis ir. Então, eu e Chris fomos. Encontramos o voo perfeito, o que significava voar durante a noite de Seattle para Dallas, depois para Chicago e finalmente para New Jersey. Chegamos de manhã e fomos direto para a convenção.
Aquela não era apenas a 1ª vez que Chris voou de avião, mas também a 1ª vez em New York e a 1ª vez que se envolvia com a cultura da indústria musical. Eu me lembro de que estávamos saindo da convenção um dia, esperando um táxi, e lá estava Ronnie James Dio parado na calçada. Foi como se eu pensasse: "Nossa, essas pessoas são mais do que apenas figuras em fotos e discos, elas são reais!"
Acho que foi aí que começou a expansão para o mundo. As turnês começaram logo depois, só com nossos próprios carros dirigindo pela costa. Depois que eles assinaram com a SST Records, começaram a conseguir turnês melhores e assinaram com o agente de longa data, Don Muller, embora ainda levasse uns bons 02 anos até que tocassem em grandes palcos.
Jornalista: As coisas foram acontecendo aos poucos, mas cresceram muito e nem você nem a banda jamais pareceram intimidados pelas grandes gravadoras ou por abrir shows para o GUNS N' ROSES ou algo do tipo.
Silver: SOUNDGARDEN tinha uma ética de trabalho que realmente os beneficiava. Todos eles tinham empregos fixos até que as turnês os tornassem impossíveis de continuarem em seus trabalhos. E éramos muito, muito cuidadosos com o dinheiro. Quero dizer, eu tinha uma pequena reserva e pagava a eles cheques de U$ 600 dólares por mês. Era uma atitude de "devagar e sempre que se vence a corrida" e uma ética de trabalho realmente muito forte. Não que as outras bandas aqui não tivessem também, mas talvez não tivessem o mesmo potencial de sucesso comercial, pois os objetivos eram diferentes.
Mesmo com as grandes gravadoras disputando-os ferozmente, o objetivo do SOUNDGARDEN era assinar com a SST Records. Eu me lembro da conversa dolorosa com Jonathan Poneman, da Sub Pop, nós parados na esquina do Mercado Público de Seattle, quando Jonathan me disse: "Queremos lançar o próximo disco do SOUNDGARDEN, vamos nessa", e eu tive que responder: "Jonathan, você é um grande amigo e eu gostaria de poder dizer que isso irá acontecer. Mas eles são uma força da natureza, um foguete com rumo sabe-se lá onde, e eles querem dar o próximo passo. Eles querem assinar com a SST Records e depois assinar com uma grande gravadora".
Os membros do SOUNDGARDEN foram muito criteriosos em seus passos. Eles não queriam pular direto para uma grande gravadora, como o ALICE IN CHAINS faria mais tarde. Eles avaliaram suas oportunidades com muita cautela, mas o princípio era: "Não há benefício em abandonar nossas raízes de uma vez só". Eles foram extremamente metódicos em relação aos passos que deram.
Jornalista: O mundo das grandes gravadoras naquela época era muito sexista — e ainda é. Como você lidou com isso?
Silver: Bem, eu tive alguns mentores, mas vamos começar falando sobre o próximo grande acontecimento da minha vida.
Em 1988, eu tinha montado um escritório com um cara chamado Ken Deans, que dirigia uma produtora. Um conhecido dele perguntou se consideraríamos trabalhar com uma banda que um cara chamado Randy gerenciava: "Adoraríamos que você viesse ao show, o Randy tem uma surpresa para todos e eles vão te buscar às 19hs ou algo assim". E uma limusine apareceu — o que era inédito em Seattle, eu nem sei se já tinha visto uma limusine em Seattle antes. Então, entrei com certa apreensão, e lá dentro conheci o ALICE IN CHAINS pela 1ª vez.
Fomos de carro até o local, uma viagem de 45 minutos, e durante todo o tempo eles ficaram recitando, do começo ao fim, o filme Fletch. Foi hilário, eu ri o tempo todo e depois eles fizeram um show que me deixou de queixo caído e eu escutaria a fita cassete deles pelas próximas 04 semanas. Eventualmente, Randy saiu do projeto e Ken decidiu que não queria mais trabalhar com gerenciamento de bandas, então, ele perguntou ao amigo dele, Kelly Curtis - que mais tarde se tornou empresário do PEARL JAM - e a mim, se gostaríamos de assumir o ALICE IN CHAINS e nós aceitamos.
Enfim, meu 1º mentor no SOUNDGARDEN foi o advogado Peter Paterno. Ele me ajudou a aprender tudo o que eu precisava saber sobre a indústria fonográfica e orientou a banda em relação às diversas propostas. A curva de aprendizado foi íngreme, e ele foi incrivelmente paciente e é uma das pessoas mais maravilhosas do planeta.
Então, apresentei o ALICE IN CHAINS para ele quando eu e Kelly começamos a gerencia-los e as gravadoras estavam demonstrando grande interesse. Um dia, eu estava no escritório dele e uma mulher passou. Peter disse: "Hey, Michele, entre aqui. Quero te apresentar a Susan Silver. Você é mulher, ela é mulher e ela está gerenciando uma banda com um nome feminino. Talvez vocês devessem trabalhar juntas". E foi assim que conheci a incrível e poderosa Michele Anthony.
Michele assumiu como advogada principal do ALICE IN CHAINS, e nós analisamos as várias ofertas que eles receberam e começamos a nos concentrar na Columbia Records. Ela os "derrotou" completamente — tanto que, como presente, o ALICE IN CHAINS lhe deu um par de luvas de boxe autografadas, que ela ainda guarda em seu escritório. E eventualmente, os chefes da Columbia Records, Don Ienner e Tommy Mottola, disseram a ela: “Não queremos nunca mais estar do seu lado oposto. Você gostaria de trabalhar conosco?” Foi assim que ela chegou a trabalhar na gravadora.
Peter readotou o ALICE IN CHAINS como advogado deles e continua sendo advogado da banda até hoje, e Michele se tornou uma mentora incrível e uma querida amiga. Ela me mostrou como isso pode ser feito com estratégia e uma profunda preocupação com o bem-estar do artista — ela era uma advogada muito, muito pró-artista, com certeza, mas mesmo como executiva de gravadora, ela continuou lutando pela visão dos artistas. E ela me ensinou muito sobre me manter forte quando sinto que estou sendo tratada injustamente, seja o cliente sendo tratado injustamente ou nós, mulheres, não sendo levadas tão a sério quanto deveríamos — e também a simplesmente não acreditar nas críticas injustas.
Preciso também dizer que, quando o SOUNDGARDEN depois assinou com a A&M Records, eles tinham acabado de criar um departamento de desenvolvimento artístico, que era dirigido por Jim Guerinot - que mais tarde fundou a Rebel Waltz Management e co-produziu o documentário vencedor do Oscar, 20 Feet From Stardom. Jim foi e continua sendo um mentor e amigo incrível. Ele, juntamente com o presidente da A&M Records, Al Cafaro, guiariam a carreira do SOUNDGARDEN nessa grande gravadora até o final dos anos 90, com um senso de colaboração admirável.
A próxima mentora que Michele me apresentou, Sharon Osbourne, também é a personificação da força e da elegância. Ela me deu a confiança necessária para seguir em frente com a minha carreira. Ela é realmente uma das pessoas mais extraordinárias que já conheci tanto na vida quanto nos negócios. Sua capacidade de conciliar e equilibrar a vida pessoal e profissional, mantendo-se ao mesmo tempo uma das negociadoras mais implacáveis que o setor já viu, a coloca em um patamar único.
Essa lembrança me veio à mente com muita força nesse verão de 2025, quando o ALICE IN CHAINS se apresentou no último show do BLACK SABBATH em julho passado. Já fui a muitos eventos na minha vida, mas nenhum que irradiasse um senso de amor e comunidade tão incrível quanto esse. Vi mais olhos marejados em jaquetas de couro do que jamais imaginei! E foi Sharon quem deu o tom e a direção para aquele dia incrível.
Jornalista: Mas a sua abordagem é tão diferente da dela. Eu nunca sequer ouvi você levantar a voz.
Silver: Bem, eu não tenho o tipo de perfil que ela ou mesmo Michele têm, então, o lema pra mim sempre foi andar mansa, mas carregando um porrete. E ironicamente, quem eu acabo tendo como parceiros de gerenciamento do ALICE IN CHAINS senão a Velvet Hammer Management?
Mas eu lutarei pelo meu cliente, e há pessoas que sofreram minha ira por irem contra a essência do que uma banda representa. Estou pensando em um pobre executivo de uma grande gravadora do SCREAMING TREES, quando ele começou a falar de forma um tanto condescendente sobre quantos discos eles conseguiriam vender e como a ideia da banda de lançar em vinil, embora pitoresca, não iria acontecer — aliás, ele estava dizendo isso na frente do vocalista da banda deles, Mark Lanegan. Foi tão inapropriado e eu me senti tão protetora, que ele precisava aprender uma lição. Ele não entendia, da perspectiva de uma grande gravadora, de onde bandas como o SCREAMING TREES vieram. Então, para resumir, no final das contas eles conseguiram lançar em vinil.
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