Temple of The Dog: um tributo ao único álbum de estúdio
Por que a banda TEMPLE OF THE DOG é mais importante agora do que antes?
"Eu nunca quis escrever essas palavras para você / Páginas com frases / De coisas que nós nunca faremos”. Estas letras permaneceram inalteradas, mas não puderam deixar de se sentir diferentes ao ecoarem no Fórum de Los Angeles no concerto tributo a Chris Cornell em janeiro de 2019.
Isso tinha pouco a ver com o fato de quem estava cantando neste evento, mas tudo a ver com a pessoa que não estava.
Essas letras são da música "Say Hello to Heaven", a canção que abre o único disco (homônimo) do TEMPLE OF THE DOG lançado em 1991. Elas foram concebidas por Chris Cornell para processar a morte de uma pessoa específica, mas naquela noite em 2019, elas pareciam ter o peso emocional combinado em duas pessoas.
Depois de 29 anos após o seu lançamento, a história de como os membros do MOTHER LOVE BONE, PEARL JAM e SOUNDGARDEN se uniram para formarem o TEMPLE OF THE DOG, continua sendo uma das mais poderosas na história do rock
Quando o TEMPLE OF THE DOG relançou o seu álbum de estréia em 2016, através de um mega box com músicas e vídeos inéditos (tristeza aqui no Brasil estes tipos de lançamentos não estarem mais chegando por aqui, vide o mega box de relançamento do MOTHER LOVE BONE e do MAD SEASON), veio escrito no encarte do disco: "Fins de semana gravados no London Bridge Studio, em Seattle, de novembro a dezembro de 1990". No entanto, nesse curto espaço de tempo, o grupo (pessoas) que o gravou enfrentaria o espectro da morte e emergiria renascido.
A narrativa do TEMPLE OF THE DOG nunca será renderizada de forma mais sucinta do que as notas manuscritas do baixista Jeff Ament no encarte deste relançamento. Linha por linha, Ament retransmite a narrativa de maneira esparsa, poética e às vezes, até matematicamente falando.
Primeiro, ele observou em uma série de frases que antes do TEMPLE OF THE DOG havia as bandas "GREEN RIVER e o SOUNDGARDEN, grupos dos anos 80 de Seattle que estavam criando sons enormes". Ele então descreveu como ambos compartilhavam um amigo em comum na forma de “um músico e artista que parecia um prodígio Freddie Mercury, chamado Andrew Wood, que morava junto com Chris Cornell, trabalhava comigo (Jeff Ament) e tocava um conjunto ocasional de músicas acústicas com o guitarrista Stone Gossard”.
Mais tarde, ele observa nas notas do encarte como "o GREEN RIVER terminou, com Andrew Wood se juntando a Gossard e Ament para formarem o MOTHER LOVE BONE".
Essa nova banda, liderada pelo carismático vocalista Andy Wood, estava sem dúvida nenhuma destinada a grandes coisas. Porém, menos de 01 mês antes do álbum de estréia do MOTHER LOVE BONE, "Apple" (1990), ser lançado...
"Todos nós perdemos o nosso lindo amigo, Andrew”, escreveu Jeff Ament.
Em 19 de março de 1990, Andy Wood morreu como resultado de uma overdose de heroína aos 24 anos. Ele foi mantido em suporte de vida através de máquinas hospitalares por tempo suficiente para que a sua família e amigos se despedissem dele. No documentário que celebra os 20 anos de carreira do PEARL JAM, PJ20 (2011), Ament transmitiu o horror do que eles haviam encontrado.
"Sempre que eu sabia que algumas pessoas começavam a usar drogas depois do falecimento de Andy, eu queria ter uma foto para mostrar a elas como Andy estava no hospital naqueles últimos dias, porque era uma coisa horrível de se ver”.
"É difícil articular sobre isso”, acrescentou Chris Cornell no mesmo documentário. “Vê-lo ligado a uma máquina, sabe... Essa foi a morte da inocência da cena. Não foi mais tarde quando as pessoas supuseram que Kurt Cobain estourando a sua cabeça era o fim da inocência. Na verdade foi com Andy, quando estávamos entrando naquele quarto de hospital".
Todos lidaram com o trauma à sua maneira. Para os ex-membros do MOTHER LOVE BONE, houve uma perda inconcebível associada à perspectiva muito real de que as suas vidas fazendo música haviam terminado.
Na mesma época, Chris Cornell - tão aturdido quanto os outros - compôs duas músicas sobre o seu colega de apartamento: "Say Hello to Heaven" e "Reach Down".
Na primeira canção ele fala diretamente com Andy, se tornando uma bela música que caiu em algum lugar entre um elogio e uma carta pessoal para o seu amigo falecido. A outra música quase serviu como um sonho febril ou uma aparição de Andy, habilmente transmitindo a sua lendária capacidade de tratar até o menor show que estivesse fazendo, como se fosse uma apresentação no estádio Wembley em Londres lotado de fãs.
Chris levou essas músicas para Ament e Gossard, assim como o baixista também deixou escrito no encarte do relançamento: “A vida segue em frente e nós a tocamos".
Logo nasceu uma nova banda: Chris Cornell junto com o seu colega do SOUNDGARDEN, o baterista Matt Cameron, se uniram a Jeff Ament e a Stone Gossard (ambos ex-GREEN RIVER e MOTHER LOVE BONE), os quais se juntaram ao guitarrista Mike McCready (onde os três estavam no processo de formação da banda MOOKIE BLAYLOCK, depois mudando o nome para PEARL JAM). Também na órbita de formação do TEMPLE OF THE DOG estava o novo vocalista do MOOKIE BLAYLOCK e recém chegado a cidade de uma vida onde passava os seus dias surfando nas ondas da costa de San Diego, Eddie Vedder.
Os primeiros ensaios do TEMPLE OF THE DOG foram realizados na magnífica Galleria Potatohead, em Seattle. Inicialmente formada com base nessas duas canções elegíacas de Cornell, a banda foi concebida como um exercício de reabilitação através da música e uma homenagem a Andrew Wood - até mesmo criando o nome Temple of The Dog sendo retirado das letras da canção "Man of Golden Words" do MOTHER LOVE BONE: "Eu quero te mostrar uma coisa / Como alegria dentro do meu coração / Parece que eu tenho vivido no templo do cachorro".
Embora apenas as duas músicas mencionadas acima tenham sido explícitas ao abordar a morte de Andy Wood, os temas de perda e trauma coloriram todo esse disco do TEMPLE OF THE DOG de uma maneira ou de outra.
Muito do que aconteceu nas sessões de gravação desse álbum se transformou em lendas do rock. Há a história de Eddie Vedder sentado quieto no canto, com o seu caderno de anotações no colo esperando as sessões de ensaio do TEMPLE OF THE DOG terminarem, para que pudessem retomar as sessões de ensaio do MOOKIE BLAYLOCK. Enquanto isso, Chris Cornell cantava a música "Hunger Strike".
Vedder e Cornell tinham acabado de se conhecer, mas Vedder, na época uma pessoa profundamente tímida na cena de Seattle, ainda assim possuía a confiança necessária para ir até Cornell sem ser convidado e pedir para cantar as seções mais graves desta icônica canção, liberando Cornell para se aprofundar com maestria nas partes mais agudas.
"Hunger Strike" se tornaria a primeira música em que Eddie Vedder gravaria adequadamente num estúdio.
No documentário PJ20, Stone Gossard refletiu sobre como se sentiu ao ouvir este incipiente dueto de vocais de Vedder com Chris Cornell - até então, Cornell já era um artista talentoso, conhecido e muito respeitado pela cena local desde meados dos anos 80: "E então a gente escutou aquilo e pensamos: 'Meu Deus, o nosso vocalista também canta muito bem, cara!'"
Havia também o guitarrista em erupção musical, Mike McCready, que fez um solo longo a pedido de Chris Cornell para a canção "Reach Down". É um momento marcante na história do rock, onde McCready tocou e se empolgou tanto, que até os seus fones de ouvido caíram e ele continuou se expressando de qualquer maneira. No livro PJ20 (que também foi lançado junto com o documentário), McCready disse que tocou de um jeito "super desleixado".
Bom, no entanto, o resto do mundo ouviu um guitarrista tocando com a sua mente, corpo e alma.
TEMPLE OF THE DOG foi fundamental para o desenvolvimento do PEARL JAM, pois as duas bandas ganharam vida ao mesmo tempo com a estréia de grande sucesso do álbum "Ten" do PEARL JAM e do TEMPLE OF THE DOG (ambos em 1991 e produzidos por Rick Parashar no London Bridge Studio).
Além disso, uma demo de Stone Gossard em particular tornou-se nas canções "Times of Trouble" do TEMPLE OF THE DOG e "Footsteps" do PEARL JAM - com Chris Cornell e Eddie Vedder escrevendo as letras da mesma música separadamente e sem terem conhecimento um do outro.
O resumo de Jeff Ament da odisseia emocional que os membros do TEMPLE OF THE DOG passaram durante a gravação do disco é a seguinte: “Foram 10 músicas. Criação espontânea. Emoção. Muito agradável. Música de verdade. Sem análise. Sem pressão. Sem exageros. Apenas música para fazer música. Amigos e uma razão. Química. Lindo. A vida continua!”
Lançado em 16 de abril de 1991, TEMPLE OF THE DOG só recebeu elogios nas críticas e veículos de comunicação, mas teve pouco impacto comercial (mas este nunca tinha sido o propósito do grupo, tanto que nunca foi combinada uma turnê promocional).
Mas teria sido uma injustiça durante séculos se não tivesse se tornado no disco que se tornou... Com a ascendência do grunge após o sucesso de álbuns como "Nevermind" (2º disco do NIRVANA, 1991), "Ten" e "Badmotorfinger" (3º disco do SOUNDGARDEN, 1991), os canais midiáticos finalmente se interessaram pelo fato de estarem assistindo a um videoclipe "antigo" da canção "Hunger Strike", onde apresentava duas das bandas mais conhecidas do mundo tocando juntas.
É claro, os diversos membros do TEMPLE OF THE DOG continuariam a gravar alguns dos álbuns mais aclamados dos anos 90 e deste século atual, mas este único disco do TEMPLE OF THE DOG ainda mantém para os seus criadores um significado muito especial.
"É tão bom quanto tudo o que já fizemos até então", refletiu Stone Gossard para o renomado jornalista da revista Rolling Stone, David Fricke, no relançamento deste álbum em 2016, onde estavam comemorando os 25 anos de vida desse disco do TEMPLE OF THE DOG.
Hoje, pode ser meio difícil pensar desta maneira, mas tanto em seus temas quanto em sua impressionante musicalidade, este disco deveria ter sido um álbum muito além do alcance de homens de tão tenra idade na época. Embora seja exaltado e reverenciado, é mais precisamente um álbum que merece ser mencionado no mesmo fôlego de qualquer um dos discos mais consagrados de qualquer época do rock.
A sua qualidade duradoura só foi reafirmada quando a banda se reuniu em 2016 para realizar a sua 1ª turnê na história. Ouvi-los tocar músicas como "Say Hello to Heaven", "Reach Down", "Hunger Strike" e outras canções feridas como "Call Me a Dog" e "Times of Trouble", foi toda a prova necessária de que essas músicas haviam sido enriquecidas pela passagem do tempo e pela capacidade dos seus criadores em executa-las ao vivo.
Isso apenas torna o falecimento de Chris Cornell em 2017, mais difícil de processar: "Acho que ainda estamos tentando entender os porquês e como chegou a esse ponto", disse Jeff Ament para a revista Kerrang em 2019. "Nós apenas sentimos muito a falta de Chris".
"Os shows da turnê em 2016 foram tão bonitos, sabe?”, refletiu Ament. "Acho que todo mundo estava tocando em um nível tão alto, tipo, um nível em que não poderíamos ter tocado quando gravamos esse disco lá em 1991. Havia algo tão positivo e não querendo usar a mesma palavra repetidas vezes, mas muito bonito sobre os shows da turnê, que fica ainda mais difícil pensar que nunca mais faremos isso novamente”.
E isto é a pura verdade, pois conforme entrevistas na época (em 2016), foi dito tanto por Chris Cornell quanto por Jeff Ament e Mike McCready, que eles tinham sim o intuito de fazerem mais turnês em outras cidades e continentes, assim como a faísca admitida de que um novo álbum do TEMPLE OF THE DOG poderia estar nos planos...
Quando Chris Cornell se juntou ao PEARL JAM no palco - quando estavam comemorando os 20 anos de vida do grupo em setembro de 2011 num festival organizado pelo próprio PEARL JAM - eles realizaram um mini set do TEMPLE OF THE DOG naquela noite para também comemorar. Cornell falou ao público como este único disco do TEMPLE OF THE DOG significava muito para ele: "Foi um momento decisivo na minha vida e acho que na vida de todo mundo quando o perdemos", disse ele antes da banda começar a canção "Say Hello to Heaven". “Esta música é para ele, sempre para ele... Andy, esta é para você".
TEMPLE OF THE DOG era para Andy Wood em sua essência e sempre será o real motivo de sua formação.
Sendo entrevistado também por David Fricke em 2016 para comemorar o 25º aniversário do álbum do TEMPLE OF THE DOG, Cornell notou que, com o tempo, a música deles mudou: "Recebo muitos pedidos de pessoas para tocar estas músicas do TEMPLE OF THE DOG em homenagem a outras pessoas que faleceram na vida dos fãs... É estranho, sabe? Porque foram criadas tão especificamente sobre Andy, mas essa é a melhor coisa de ser um compositor, pois a sua música tem vida própria. Passará por metamorfoses que você não pode controlar, não importa o quê e eu acho isso incrível".
Aproveitando o gancho, também foi dito em entrevistas que esta metamorfose das canções do TEMPLE OF THE DOG também aconteceram no âmbito instrumental, de desenrolamento musical.
De fato, há uma pontada aguda de tristeza em tudo isso... A maneira pela qual as palavras que outrora mantiveram Chris Cornell em "segurança" durante a sua dor, agora parecem ressoar com a tragédia de sua própria morte em 2017.
Mas essa não é a história completa do que é ouvir este único álbum do TEMPLE OF THE DOG em pleno 2020. Este templo em particular não é apenas um local de luto, também se tornou um local de culto.