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  • by Brunelson

Ian MacKaye: entrevista da Rolling Stone com o frontman do Fugazi e Minor Threat


Um dos fundadores das bandas FUGAZI e MINOR THREAT, revelou os álbuns que mais o influenciaram quando criança no livro "Rock Stars on The Record: The Albums That Changed Their Lives", do escritor Eric Spitznagel.

Neste livro, a lenda do punk hardcore, Ian MacKaye (vocalista/guitarrista), também explicou como o Woodstock Festival e um inesperado convidado ajudaram a estabelecer as bases do seu amor pela música.


O livro consiste em entrevistas com uma série de artistas discutindo a música que mais os influenciaram quando eram crianças.

Para MacKaye, que foi recentemente entrevistado pela revista Rolling Stone - para falar sobre este livro e sua vida - os seus pais não eram uma fonte particularmente potente de inspiração musical, embora ele diga que passou a gostar de Floyd Cramer, que era um "piano instrumental, uma espécie de swing jazz", que exemplificava o gosto da sua mãe.


Em vez disso, os ouvidos de MacKaye foram aguçados por influências externas, como a de uma babá e de um veterano de guerra que lhe mostraram o rock'n roll - incluindo o som de Jimi Hendrix.

Um disco de coletâneas do lendário Woodstock Festival, deixou MacKaye encantado não apenas com a música de Jimi Hendrix, mas com a própria ideia do Woodstock e suas promessas contraculturais.

Porém, MacKaye admite que esse último fascínio de promessas contraculturais se desvaneceu conforme ele ia crescendo e sua perspectiva mudando, dizendo: “No início, era tão misterioso e uma coisa impossível... Achava que todas essas bandas eram grandes amigas e que saíam juntas para acabar com a guerra, racismo e o sexismo. As escamas caíram dos meus olhos à medida que envelheci e eu evoluí, porque é natural evoluir”.

Mas anos depois, após passar uma parte de sua adolescência como um fã obstinado de Ted Nugent ao lado do seu amigo, Henry Rollins (futuro vocalista do BLACK FLAG), MacKaye disse que as possibilidades contraculturais que encontrou em Woodstock reapareceram no punk rock.

“Naquela época, as ideias de contracultura dos anos 70 haviam se limitado em grande parte à autodestruição”, disse MacKaye. "Já naquela época, eu costumava pensar: 'Que maneira estranha de se rebelar, tipo, neutralizar-se a si mesmo'".

Seguem alguns trechos dessa entrevista:

Jornalista: Que tipo de música os seus pais ouviam quando você era criança?

Ian MacKaye: Os meus pais tinham um fonógrafo de console Grundig, uma peça única em que você vira o toca-discos e o alto-falante fica na base. Eles tinham um disco de Floyd Cramer e acho que eu tinha provavelmente uns 04 ou 05 anos de idade. Me lembro de tocar aquele disco sem parar, deitado no chão com a minha cabeça ao lado do alto-falante, simplesmente sendo completamente obcecado por ele.


Jornalista: Foi bom?

MacKaye: Bom, eu adorei, mas é uma espécie de piano instrumental, tipo um swing jazz... Os meus pais não eram músicos em si, mas a minha mãe adorava peças para piano.


Jornalista: Teve mais alguém lhe dando uma educação musical melhor?

MacKaye: Eu tinha uma babá que meio que sabia coisas sobre rock & roll e visitamos um amigo dos meus pais que tinha uma coleção de discos muito grande, incluindo uma coletânea de Jimi Hendrix. Ele me deixou colocar o disco no aparelho e foi um daqueles momentos em que eu não conseguia parar de ouvir. Eu me apaixonei por Hendrix, ainda amo a sua música e provavelmente o estudei mais do que qualquer outro músico.


Jornalista: Sério? Isso é surpreendente.

MacKaye: Bom, talvez não mais do que os BEATLES. Os BEATLES também estão lá, os seus discos se tornaram objetos sagrados pra mim, tipo, as capas dos álbuns assumiram propriedades quase místicas.


Jornalista: Você não conseguia ouvi-los quando era criança?

MacKaye: Isso foi antes de eu ter acesso ao meu próprio toca-discos. No início dos anos 70, alguns universitários se mudaram para uma casa coletiva na Beecher Street na capital Washington, apenas algumas casas depois de onde eu cresci.


Jornalista: Tipo uma república?

MacKaye: Isso, como uma república. Eles eram hippies, tinham cabelo comprido, usavam calça boca de sino, pintavam um sol na parede da escada e esse tipo de coisa. Eles meio que me acolheram, talvez porque eu fosse um garotinho hippie local, mas em qualquer caso, eles eram bastante hospitalares com as pessoas e você podia simplesmente entrar e sair da casa a hora que quisesse.

MacKaye: Uma das mulheres, que provavelmente tinha entre 17 e 19 anos de idade, mas que parecia ter uns 100 anos, tinha uma caixa com cerca de 30 discos. Ela me disse que usava a caixa para bloquear a porta do quarto quando ela estava junto com o namorado... Isso só me deu a sensação de quão pesado era aquela caixa.


Jornalista: O que ela tinha na coleção?

MacKaye: Havia discos do JEFFERSON AIRPLANE, James Gang e muitos outros que eu nunca tinha escutado. Foi como encontrar hieróglifos, onde você quer saber o que há do outro lado da escrita.

MacKaye: A outra coleção significativa de discos com a qual entrei em contato naquela época, pertencia a um veterano do Vietnã que foi internado num hospital psiquiátrico e depois despejado nas ruas da capital Washington. Ele acabou morando depois na pensão ao lado da nossa casa e tornou-se amigo da minha mãe.

MacKaye: Acho que ele estava com problemas de dinheiro, porque em algum momento a minha mãe o convidou para se mudar para a nossa casa. Já tínhamos os meus pais com 05 filhos, um cachorro e quem sabe quantos gatos moravam lá. Não havia quartos disponíveis pra ele, mas ele foi capaz de armar um pequeno acampamento sob o piano de cauda em nossa sala de estar.

MacKaye: Ele também mantinha os seus discos e aparelho de som sob o piano. Os alto-falantes eram esses círculos omnidirecionais que apontavam diretamente para os cones difusos. Ele me deixava ouvir os discos dele, onde eu me deitava embaixo do piano e colocava um alto-falante em cada lado da cabeça.


Jornalista: Você tinha um disco favorito na coleção dele?

MacKaye: Ele tinha o álbum do Woodstock Festival, com a capa de dobradiça tripla que se abria em uma foto panorâmica mostrando toda a multidão. Muitas vezes, eu ficava comtemplando a foto da multidão enquanto ouvia o disco e provavelmente coloquei para tocar aquele vinil uma centena de vezes.


Jornalista: Você estava apaixonado pela música ou pela ideia do Woodstock?

MacKaye: Eu realmente acreditava na música, que ela poderia ser central para a revolução social ou para o pensamento progressista. Não estou dizendo que vem apenas disso, mas é o toque da trombeta da contracultura. A música é uma linguagem secreta ou uma moeda que trocamos entre nós.


Jornalista: Quando você ouviu essas músicas, você ficava pensando: “Eu gostaria de ter estado lá” ou “Eu gostaria de poder criar o meu próprio Woodstock”?

MacKaye: Eu ainda era uma criança e estava muito assustado com algumas das coisas contraculturais, especialmente as drogas e o álcool, então, acho que teria ficado muito assustado naquele ambiente. Por outro lado, eu amava muito o rock 'n' roll e realmente acreditei numa noção idealizada sobre o Woodstock. Na verdade, eu tinha fantasias de organizar o meu próprio festival.


Jornalista: Queria criar o seu próprio Woodstock?

MacKaye: Sim. Eu me sentava no banco de trás do carro nas viagens em família, olhando pela janela e observando os locais. Procurando por grandes áreas que poderiam funcionar para montar um evento e criando listas de bandas que eu queria contratar.


Jornalista: Isso é fantástico. Você ainda possui essas listas?

MacKaye: Eu gostaria de ainda ter essas listas... Não me lembro de nenhuma das bandas que anotei, exceto o grupo MOUNTAIN em cada uma delas! Na verdade, eu não conhecia a música deles além do seu grande sucesso, "Mississippi Queen". É que eles tocaram no Woodstock e parecia uma banda legal... Claro, eu também queria ter Jimi Hendrix, mas ele já estava morto. Pensando em retrospecto, foi um grande golpe contra ele e para nós em termos de festivais futuros que Jimi Hendrix poderia participar...


Jornalista: Então, você não teve uma relação casual com o disco?

MacKaye: Não, provavelmente passei por várias cópias que fiz em fita-cassete. Eu estudei intensamente aquele disco, conhecia cada lick de guitarra e aquelas foram uma das melhores performances de todos os tempos. Acho que a música “Villanova Junction Blues” de Jimi Hendrix é uma das peças mais incríveis de música gravada. Comprei vários DVDs do filme e das filmagens e li alguns livros sobre o assunto ao longo dos anos... Na verdade, encomendei outro livro que fala sobre o Woodstock esses dias atrás.


Jornalista: Ainda é tão fascinante pra você hoje quanto era quando criança, deitado sob o piano?

MacKaye: Bom, não exatamente... A minha perspectiva e experiência mudaram muito nos últimos 50 anos. Pense em alguém usando um lápis para marcar a sua altura no batente de uma porta quando você era criança. Essa marca permanecerá no mesmo local, mas evolui de: "Oh, esta é a minha altura", para: "Olha, estou ficando mais alto", para: "Não posso acreditar que fui tão baixo um dia". E então, em algum ponto, a marca faz com que você pense: "Oh, meu pai fez aquele entalhe e ele está morto agora..." A marca muda com a sua percepção de vida.


Jornalista: Essa é uma ótima maneira de analisar...

MacKaye: É assim que penso sobre as coisas do Woodstock. No início, era tão misterioso e impossível. Achava que todas essas bandas eram grandes amigas, saíam juntas e iam acabar com a guerra, racismo e o sexismo. As escamas caíram dos meus olhos à medida que envelheci. Eu evoluí porque é natural evoluir.


Jornalista: Você perdeu esse idealismo?

MacKaye: Não, mas a minha relação com a música mudou. Eu toco há mais de 40 anos. Já estive em várias bandas, fiz extensas turnês, trabalhei na produção de outras bandas, produzi centenas de sessões de gravação, agendei shows e fundei uma gravadora. Eu tenho um bom entendimento do que está acontecendo, então, quando eu olho para trás, para o Woodstock, é fascinante ver o quê aquela marca na moldura da porta significa pra mim agora.


Jornalista: Você se lembra do primeiro disco que comprou?

MacKaye: Acho que foi o vinil "Summertime Blues" do THE WHO, provavelmente em 1972 ou 1973. Foi o primeiro disco que adquiri, ainda que ilegalmente. Não é o meu momento de maior orgulho na vida.


Jornalista: Você roubou ele?

MacKaye: Eu furtei em uma loja local e quase fui pego. Felizmente, o suor debaixo do meu braço manteve o disco preso na minha pele, então, ele não caiu quando o cara abriu o meu braço para ver se eu estava escondendo alguma coisa. Eu era um menino raquítico de 10 anos de idade.


Jornalista: Você se lembra da primeira vez que ouviu um disco e pensou que também poderia fazer aquilo, que poderia pegar uma guitarra e fazer a sua própria música?

MacKaye: Isso não aconteceu imediatamente em mim... As pessoas na rádio eram parecidas como deuses e como eu poderia me ver naquele panteão? Então, em vez disso, me tornei um skatista. Foi assim que conheci Henry Garfield, que mais tarde se tornou Henry Rollins (vocalista do BLACK FLAG). Crescemos juntos na vizinhança na capital Washington, mas foi no skate que nos tornamos inseparáveis. Na adolescência, entramos juntos em muitas bandas de rock pesado. Enfim, um amigo me emprestou um monte de discos punk rock e new wave, incluindo o álbum do SEX PISTOLS, acho que foi em novembro ou dezembro de 1978.


Jornalista: E o que você achou na hora?

MacKaye: Na época, a música era definida pelas rádios comerciais, então, as coisas punk rock não soavam como música pra mim. SEX PISTOLS era especialmente agitados, confusos e um pouco assustadores. Estavam sempre muito bagunçados, com raiva ou algo assim. A música "Bodies" eu poderia reconhecer como puro rock & roll, pois possui um dos maiores riffs de rock de todos os tempos, mas também a letra mais bagunçada de todas.


Jornalista: Ah, sim. Falam sobre abortos numa fábrica e bebês gritando...

MacKaye: Sim, coisas aterrorizantes e estávamos em 1978, quando a banda EAGLES estava com o disco "Hotel California" e você ouvia o disco do SEX PISTOLS, "Never Mind The Bollocks", e era chocante em comparação... Eu não conseguia parar de ouvir e tive um momento de clareza: “Ah, essa é a contracultura! Essa é a parte da música que eu estava ouvindo na trilha sonora do Woodstock!”. Porque o EAGLES não eram da contracultura.


Jornalista: Nem mesmo de perto.

MacKaye: Naquela época, as ideias de contracultura dos anos 70 haviam se limitado em grande parte à autodestruição. Já naquela época, eu costumava pensar: “Que maneira estranha de se rebelar, neutralizando-se a si mesmo".



Jornalista: E o SEX PISTOLS pareceu como uma verdadeira rebelião?

MacKaye: Não só eles, mas o punk em geral. Cada um desses discos era uma caixa misteriosa. Eu simplesmente pulei dentro e não estava preparado para a quantidade de discos que eu descobriria. Era um oceano de ideias esperando por mim quando eu chegasse à loja de discos na época.


Jornalista: Mas não eram como uma loja de discos de um shopping-center só com os discos que você ouviu na rádio...

MacKaye: Não eram... Eram lojinhas independentes que importavam discos da Inglaterra e obtinham registros de distribuidores independentes nos EUA. Percorrer essas prateleiras foi uma experiência alucinante. Havia caixas de singles sendo vendidas por U$ 1 dólar e se eu e Henry Rollins tivéssemos U$ 5 dólares cada, compraríamos 10 discos diferentes e ouviríamos juntos.


Jornalista: Você escolheria as coisas com base no nome da banda ou na arte do álbum?

MacKaye: Ambos. No início, para evitar o rock progressivo, eu tinha uma regra fixa: nada de teclados. Isso me serviu muito bem, mas eu me lembro de estar numa loja de discos mais convencional em Georgetown, Texas, onde tinha uma pequena seção de discos importados. Havia um vinil de uma banda de Los Angeles chamada THE DICKIES e estava sendo lançado por uma grande gravadora, A&M Records, o que foi um golpe em minha mente, mas eu já tinha ouvido o THE DICKIES antes.


Jornalista: Não no rádio.

MacKaye: Não, foi em 1979. A minha irmã mais velha e eu estávamos em Connecticut e fomos a New Haven ver um show dos RAMONES. Um dos caras que estava dirigindo o carro tinha uma fita cassete com uma série de canções de várias bandas.


Jornalista: Você gosta de uma mixtape?

MacKaye: Sim, mas eu nunca, nunca tinha ouvido falar de tal coisa antes até aquele momento.


Jornalista: Você nunca tinha ouvido falar de mixtapes?

MacKaye: Eu só pensei que você pegaria uma fita cassete e gravaria o lado A de um álbum de um lado da fita e o lado B do álbum do outro lado da fita. Nunca me ocorreu misturar e combinar músicas. Ele colocou a fita no toca-fitas do carro e de repente estávamos ouvindo uma banda após a outra e eu finalmente disse: "O que é isso?" O cara me entregou a própria capa da mixtape que ele havia feito, que era como uma história em quadrinhos e do outro lado era uma lista manuscrita das canções... Aquilo foi um milagre pra mim.


Jornalista: Para encerrar, qual é a sua regra?

MacKaye: Em geral, se você olhar para o meu trabalho, eu adoto uma posição ou abordagem sobre algo e me mantenho com isso para descobrir como fazer funcionar. Como no FUGAZI, usei uma guitarra, um amplificador, um cabo e nenhum pedal. A ideia era: que sons posso obter desse instrumento usando apenas essas poucas ferramentas? Como posso imitar um efeito usando tom ou volume ou a maneira como eu dedilho as coisas? Eu não quero mais opções. Eu quero menos opções e mais engajamento.

MacKaye: Em 1979, eu não acho que era particularmente sério sobre ter regras, mas a minha atitude serviu como um bom filtro, uma excelente maneira de evitar todos os "sim" do mundo quando um simples “não” poderia bastar.


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