Dave Grohl: "pessoas confundem sucesso comercial com relevância cultural"
Com o álbum "Medicine at Midnight" do FOO FIGHTERS sendo lançado ontem (05/02/2021), o frontman Dave Grohl e o baterista Taylor Hawkins conversam sobre este novo disco da banda e histórias da vida rock'n roll - em entrevista ao site Independent.
Nos bastidores dos festivais de rock, Dave Grohl não passa muito tempo em seu camarim: “Sou sempre aquele cara batendo na porta dos camarins de todos os outros artistas, dizendo: ‘Vamos tomar uma dose de uísque!’ E em seguida, convidando-os para ficarem na lateral do palco durante o show do FOO FIGHTERS. Amo me sentir conectado à comunidade musical e fazer shows é uma grande parte do que se trata o FOO FIGHTERS”.
Então, lançar o 10º álbum da banda, "Medicine at Midnight", na "porra do vazio" de uma pandemia, parece estranho para ele.
Grohl achou "comovente" a apresentação pré-gravada do FOO FIGHTERS na posse inaugural do novo presidente americano. Enquanto a entrega emocional da música “Times Like These” era transmitida, Grohl disse que seu celular “estava enchendo de mensagens de amigos me chamando de idiota por não ter contado a eles que eu estava na capital Washington para me apresentar... Eu tive que dizer a eles: 'Eu não estou na cidade, cara! Eu nem posso voar até aí'".
Mas, ao telefone de sua casa em Encino, Califórnia, onde Dave Grohl garantiu que já está em seu 5º copo de café, o frontman disse que ainda foi uma “grande honra” participar de um evento que ele descreve como “um farol de luz e esperança”.
Com a letra da música "Times Like These" tratar sobre “se sentir dividido”, mas olhando para “um novo céu para pendurar as estrelas esta noite”, a canção capturou o clima nacional.
Grohl a compôs em 2002 para o 4º álbum de estúdio do FOO FIGHTERS, "One by One", e foi inspirada por desentendimentos dentro da banda, que dizem ter sido tão intensos que eles quase se separaram após o Coachella Festival.
Eles se entenderam depois que Grohl e o baterista Taylor Hawkins deram uma caminhada juntos e decidiram “apenas tocar” novamente. Numa entrevista anterior de Hawkins para este mesmo site, ele havia dito que foi nessa época que se lembrou do seu papel na banda: "O meu papel na banda é sempre fazer o Mr. Grohl rir e tocar um solo de bateria incrível nos shows".
Na realidade, o comportamento desafiador de Dave Grohl veio da infância - e a maneira brilhante como a sua mãe lidou com isso - e sempre foi uma parte central de sua narrativa pública. Diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção, Grohl disse que ainda tem os boletins do colégio para lembrá-lo de que ele era uma presença “distraída e perturbadora” na sala de aula. Ele costumava ficar tão chapado de maconha que nem sabia que assunto deveria estudar: “Eu não me sentia como todo mundo”, diz ele. "Não sei como explicar..." A sua saída foi o punk rock que descobriu entre as idades de 10 e 13 anos: “Tínhamos uma ótima cena underground na capital Washington, assim que encontrei os picos”, disse ele.
O pai de Dave, James Grohl, faleceu em 2014, e seu filho carregou algumas palavras com ele, mas Dave concede a maior parte do crédito de sua carreira à mãe: “Não escorreguei pelas rachaduras porque fui criado por uma mulher que sabia que duas crianças não aprendem igual. Ela tinha fé em mim, talvez não como intelectual, mas como uma pessoa inspirada. Ela me ensinou como amar e me deu a liberdade de ser quem eu sou”.
Em seu livro, "From Cradle to Stage" (2017), Virginia Grohl escreve sobre o salto de fé maternal que levou para permitir que o seu filho abandonasse a escola aos 17 anos de idade e viajasse pela Europa com a sua primeira banda, SCREAM: "Você pode imaginar?" disse Dave Grohl, pai de 03 filhas. “O seu filho está lhe dizendo: ‘Eu vou para a Europa com uma banda e vou ficar por lá uns 03 meses. Vou dormir agachado no chão e viajar numa van com outras 08 pessoas'. O pior é que eu só enviei 01 cartão postal pra minha mãe".
Para Virginia, uma fã de musicais e atos em teatros, parecia que a primeira banda do seu filho estava "apenas gritando". Ela tinha "certeza de que eles não iriam substituir os BEATLES".
Mas as coisas dispararam rapidamente quando o seu filho se juntou ao NIRVANA em 1990. O álbum "Nevermind" de 1991 liderou as paradas da Billboard em janeiro de 1992, vendendo aproximadamente 300 mil cópias por semana. Apesar do conhecido vício em heroína de Kurt Cobain, Virginia estava mais preocupada que Madonna "pegasse" o seu filho.
Voltando à atualidade, Grohl falou sobre as suas expectativas para 2020: "Eu sabia que era o nosso 25º aniversário, o nosso 10º álbum e resolvi gravar um disco de festa. Quero dizer, olhei para este álbum como um novo começo e queria levar as coisas pra cima, trazer cantores de apoio, os grooves e a festa”.
Mais inspirado pelo funk rock, Grohl citou artistas como David Bowie, SLY & THE FAMILY STONE e Prince como influências, tornando o disco "Medicine at Midnight" um álbum gloriosamente dançante.
Taylor Hawkins ri de sua resistência em incluir alguns loops de bateria, mas disse que logo aprendeu a transformar estes novos sons em uma nova e animada mixagem. Hawkins disse que a empolgante canção, “Love Dies Young”, é a sua música favorita do álbum: “Músicas como ‘Shame Shame’, Dave tocou antes de nós conhecermos, mas a canção 'Love Dies Young' realmente cresceu organicamente. Dave queria uma batida diferente pra ela, como a batida da música 'Everlong', mas continuei ouvindo a bateria de Phil Gould que é um baterista incrível, e quando tentei dessa forma que ficou, Dave me disse: ‘Ah, sim, funciona!’"
Grohl acha que, ao traçar divisões entre gêneros, as pessoas “muitas vezes confundem instrumentação com intenção”. Ele explica que não se trata apenas de guitarras e volume: “Quando falo sobre rock'n'roll, quero dizer tudo, de Little Richard a Billie Eilish, que acho que é inspirada pelas mesmas coisas que eu. Às vezes, as pessoas confundem sucesso comercial com relevância cultural. Existem muitos grandes artistas pop, mas isso não necessariamente se solidifica em longevidade cultural. Eu olho para a minha filha de 14 anos, Violet (que canta neste álbum), e seus amigos e todos curtem músicas de guitarras e bateria como de David Bowie. Essas coisas não partiram de mim para a minha filha conhecer, é o que eles estão descobrindo agora, seja o que for que esteja tocando na rádio hoje”.
A filha do meio de Grohl, Harper, inspirou a nova música "Waiting on a War". Em uma postagem em rede social e entrevistas que vem concedendo, Grohl explicou: “Como uma criança crescendo nos subúrbios da capital Washington, eu sempre tive medo da guerra. Tive pesadelos com mísseis no céu e soldados em meu quintal, provavelmente causados pela tensão política no início dos anos 80 e minha proximidade com o Capitólio do país. A minha juventude foi passada sob a nuvem negra de um futuro sem esperança”.
Ele continuou: “Um dia, enquanto levava a minha filha de 11 anos para a escola, ela se virou pra mim e perguntou: 'Papai, vai haver uma guerra?' O meu coração afundou em meu peito quando olhei em seus olhos inocentes, porque percebi que ela agora estava vivendo sob a mesma nuvem negra de um futuro sem esperança que eu sentia há 40 anos atrás”.
Outra canção, “No Son of Mine”, é uma homenagem a seu velho amigo Lemmy Kilmister, o frontman do MOTORHEAD que faleceu em 2015. Hoje, Grohl disse que conheceu Lemmy “num clube de strip em Los Angeles. Eu estava voltando do banheiro e o vi, sozinho, longe de qualquer uma das garotas, em uma máquina de pôquer no canto da sala. Quero dizer, ele era fácil de localizar. Ele é um fodido cowboy intergaláctico. Disse a mim mesmo na hora: 'Aqui está um dos meus heróis'. Eu seria negligente se não prestasse homenagem, então, me aproximei e disse: ‘Não quero incomodá-lo, mas preciso informá-lo de que a sua música mudou a minha vida’. Disse a ele que fazia parte de uma banda chamada FOO FIGHTERS. Ele olhou pra cima, nos meus olhos e disse: 'Eu realmente sinto muito pelo o que aconteceu com Kurt Cobain'. Pela bondade em seu coração, ele compartilhou uma emoção verdadeiramente generosa com um colega músico e tenho certeza de que ele nunca tinha ouvido uma porra de música do FOO FIGHTERS, mas isso me fez querer ser seu amigo para o resto de sua vida... E eu era".
Para encerrar, Grohl foi perguntado se ainda virá um ressurgimento do rock. Ele ri: “Você está perguntando para o cara errado! De onde eu fico, na borda do palco assistindo centenas de milhares de fãs cantando as nossas músicas, não fui capaz de detectar nenhuma queda na pulsação do rock'n'roll. Não vai a lugar nenhum e eu certamente não vou embora... Tenho a intenção de fazer isso pelo tempo que puder, quero dizer, da próxima vez que você me entrevistar, espero que algumas novas pessoas apareçam também!”
Confira os 03 singles lançados pelo FOO FIGHTERS em divulgação ao álbum "Medicine at Midnight":
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